Então agora GOT é anti-feminista?!

!ALERTA SPOILERS!

Se acompanham Game of Thrones e ainda não chegaram ao final, sugiro que se retirem de fininho e voltem aqui quando acabarem - a série é só um pretexto para esta discussão mas de certeza que vou escrever algo que vocês não querem ler!

E agora, o verdadeiro assunto:

Caramba. Eu sou feminista. Digo-o quantas vezes for necessário, com todo o orgulho e a força que já vai sendo preciso ter para dizer isto porque aparentemente continua a ser preciso explicar o que é o feminismo e uma pessoa cansa-se. Mas nem tudo é "militância". As mulheres não têm que ser glorificadas e dadas como a melhor das opções em todo e qualquer contexto só por serem mulheres.

A Dany deu a louca. A Arya teve medo. A Cersei fraquejou. O Jon mostrou ser um homem "do bem" e adepto do "for the greater good". E não sei se passo demasiado tempo a ver memes e comentários, mas ver mulheres a dizer que isto é misoginia faz-me confusão.

Por partes:

A Daenerys já tinha um espírito assassino e kinda cruel desde o início da série. Tendo em conta que se sentia sozinha, enquanto achava que meio mundo lhe devia alguma coisa, que ninguém gostava dela, e que toda a gente se preparava para a trair, não é estranho que no auge do stress houvesse ali um parafuso a saltar do sítio. Nada que ela já não tivesse dito que ia fazer.

A Arya viu o céu a cair-lhe em cima em forma de chamas e, depois, uma autêntica câmara de incineração a céu aberto em que ela era só mais uma para ser chamuscada. Pondo-nos no lugar dela... é coisa para provocar medo.

A Cersei, completamente impotente, viu um dragão cuspidor de fogo mortal a destruir os seus lacaios, a sua cidade, o seu reino, tudo isto sabendo que ia morrer e, com ela, o filho que levava na barriga - não esquecendo que, durante toda a série, independentemente do que quisermos dizer sobre ela, é inegável que é uma mãe-leoa capaz de tudo pelos filhos. É coisa para deixar quem quer que seja à beira do desespero.

O Jon foi...bem, o Jon, durante toda a série. Sempre se sacrificou por uma "nobreza de espírito" que é claro que tem, sempre foi o homem de bem que terminou a série a ser.

Longe de estar a afirmar que a escrita foi brilhante...

... e que tudo isto foi muito bem exposto e explicado, não vejo aqui nada que não tenha feito sentido e muito menos vejo algo de machista nisto tudo - não estou a falar da história em si, mas dos aspectos que têm apontado como "machistas" e que "destruiram as personagens". Reconhecer que somos seres humanos, com momentos de loucura e fraqueza, IGUAIS entre nós, não é todo o propósito do feminismo? Ou queremos mesmo entrar na luta de "têm que nos reconhecer como superiores e perfeitas porque somos mulheres"? Não me parece que isso ajude em nada.

A série passa a ser misógina porque não colocam a candidata feminina numa posição de brandura e compaixão e em vez disso "dá a louca"? Ou passa a ser misógina porque mostra uma mulher - ou deverei dizer "um ser humano" - a temer pela própria vida e a querer safar-se de morrer num churrasco de fogo de dragão, levando consigo quem mais ama? Ou passa a ser misógina porque mostra a heroína em apuros? Vamos mesmo esquecer a Arya, que se fez uma adulta com capacidades que ninguém lhe queria reconhecer e uma independência que ninguém lhe pode roubar, ou a própria Daenerys que, mesmo na sua loucura, libertou escravos e criou um reino para si própria, vinda das cinzas? Ou a Brienne of Tarth, com a sua infinita honra e bravura? Ou a Melisandre, que moldou o destino de muitas personagens com os seus jogos de influência? Até a própria Cersei, que se mostrou mãe-leoa e uma mulher feita de resiliência pura? Ou a Sansa, que terminou a série numa posição de poder que no início parecia impossível?

Mulher = ser humano. Não é um ser perfeito.

As mulheres fortes existem. As mulheres fracas também. As boas também. E as más. E quem consiga enfrentar tudo na vida como uma heroína, e quem se passe e expluda também. E quem aguente estoicamente tudo o que a vida lhe dá, e quem chegue ao ponto em que quebra e vai abaixo. Há de tudo. Mulheres e homens.

E não é com "exigências" de personagens perfeitas numa storyline de uma série que vamos mudar o mundo. É com a exigência de personagens reais, interessantes e complexas - como estas foram. É com proactividade no uso de um lugar para que nos façamos ouvir, e não com a ocupação de quotas obrigatórias e silenciosas nos parlamentos que, embora veja como um "mal necessário", acho péssimas para o reconhecimento da nossa competência. É com reconhecer que só porque uma figura pública, desportista, actriz, política, etc., é mulher, não passa automaticamente a ser competente. É com o voto em partidos que defendam que merecemos ter os mesmo direitos e deveres porque somos pessoas, e não que nos vendem que "as mulheres são boas mães/esposas/etc. por isso sabem governar melhor". É com o reconhecimento de que, como seres humanos, partilhamos qualidades e defeitos, sejamos homens ou mulheres ou nada disso.

Um apelo honesto: não vamos ridicularizar o feminismo. Não podemos usá-lo como desculpa para virar o machismo ao contrário. A ideia não é essa e assim vamos só parecer uma cambada de histéric@s e interesseir@s sem credibilidade. Vamos ser racionais e não virar uma claque cega e sem lógica. Combinado?

PS.: Perdoem-me o rant mal disposto e longo! :p