Não deixemos a memória ser curta

São 45 os anos que nos separam do Estado Novo, 45 os anos que nos separam desta realidade. Mas ela não se passou só com "desconhecidos" - e se há quem diga que tudo estava bem... é sinal de que estavam em "boas" mãos. Infelizmente nem tod@s tiveram essa sorte. Pouc@s a tiveram.

Hugo van der Ding

A minha Mãe cresceu com um par de sapatos que quase só calçava para ir à missa, quase ia morrendo de fome, só estudou até ao quarto ano e depois foi trabalhar. O meu Pai quase fazia com que o meu Avô fosse preso, quando na sua inocência de miúdo disse ao professor que Salazar não era tão boa pessoa assim. Dias depois o meu Avô teve que fugir mato fora porque andavam uns homens - PIDEs - à procura dele.

Familiares de amigos fugiram para França porque se por cá ficassem morreriam à fome ou como presos políticos.

"Deus, Pátria e Família" era o lema do Estado Novo.  Mais tarde "Orgulhosamente sós". Um conservadorismo exagerbado, sem espaço para a liberdade de escolha e de pensamento.

Havia um partido único durante esse período - a União Nacional - e uma polícia política - a PVDE, posteriomente PIDE e depois DGS. A prisão de Caxias, o forte de Peniche, a sede da PIDE e o campo de concentração do Tarrafal eram palco de cárcere e torturas a muitos dos que se mostravam contra o regime, pelas mãos da PIDE. A cada "eleição" seguia-se uma vaga de detenções e desaparecimentos do lado da oposição ao regime.

A Guerra Colonial roubou-nos os nossos jovens e a liberdade de quem queria ser dono de si, sem hipótese de um "não".

Éramos um povo pobre. Um povo visto como "menor", por força do medo e da falta de capacidade de mudança. A educação sempre foi uma arma, e a ignorância sempre foi a melhor forma de a controlar.

Não, nisto não consigo ser puramente racional e neutra. 

Não consigo aceitar que me digam que um regime deste tipo "é que endireitava o país". Mas endireitava em que sentido?! Ganhamos liberdade de expressão e de escolha. Conseguimos, aos poucos, recuperar dos anos de atraso económico e tecnológico fruto do "orgulhosamente sós". A geração dos nossos pais conseguiu criar uma geração com muito mais conhecimento. Temos um Estado Social que garante as condições mínimas de sobrevivência a qualquer cidadão. Temos um Sistema Nacional de Saúde com uma qualidade brutal. Temos um sistema de Educação Pública excelente, contanto com óptimas faculdades. Tudo isto tem falhas? Claro que sim! Precisamos de melhores condições de trabalho, de salários dignos, de jovens que se possam sustentar e ter uma vida estável, muito está por fazer. Qualquer sistema tem falhas. Mas temos a liberdade, o dever e o direito de as denunciar e mudar. O que é que é preciso endireitar aqui, ao certo, que só um "salvador da pátria" possa fazer?

Ainda vale a pena recordar o 25 de Abril? Claro que sim. Valerá sempre a pena. Especialmente enquanto a memória for curta. Especialmente quando se vê a surgir um pouco por toda a parte uma onda de nacionalismo e neo-fascismo disfarçado de "liberdade de expressão", misturado com informações falsas que consumimos sem confirmar. A intolerância nunca deverá ser tolerada. A diferença entre ter uma opinião e querer privar alguém de um direito é difícil de entender quando o discurso é feito com a estratégia de atrair as massas, mas está lá e é perceptível.

E por isso, peço: 

Não esqueçamos porque é que se fez o 25 de Abril. 



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